Imagem por Alex Andreev

O futuro tecnológico acabou de mudar radicalmente

Phelipe Folgierini
4 min readDec 7, 2020

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Esse é o meu primeiro escrito autoral sobre futurismo e talvez seja o melhor momento para (voltar) a escrever à respeito depois de algum tempo.

O melhor momento por dois motivos principais: o primeiro é que durante esse hiato expandi um pouco o meu domínio sobre o tema (em breve faço uma lista de leitura recomendada) o que me deixa mais confortável para escrever minhas próprias percepções; o segundo — e principal — é que nesse momento de crise estamos passando por um fenômeno radical de mudança e projeção tecnológica, muito superior mesmo aos anos anteriores que pareceram tão saturados de tecnologia e inovação.

Períodos de turbulência sempre provocam um espírito inovador de forma a solucionar os problemas de uma crise. Quando a crise é de nível global esses efeitos são sem precedentes e acontecem em larga escala de forma quase simultânea nos diversos estratos da sociedade.

Nessa última década até a véspera da crise que nos atingiu no final de 2019 pro início de 2020, a maior parte de toda a tecnologia produzida não tinha aplicações substanciais além de facilitar algumas práticas quase corriqueiras da vida humana. Mesmo o que se chamava, muitas vezes de forma exagerada, de “disruptivo”, em essência era a digitalização da vida mundana, ou mesmo melhorar o que já era digital.

Criamos aplicativos para pedir um táxi ou comprar comida, mas não resolvemos o desafio do envelhecimento humano.

Esse sentimento foi descrito por Tyler Cowen como The Great Stagnation (“A Grande Estagnação”) e posteriormente popularizado por Peter Thiel. Em suma é caracterizado pelo desenvolvimento massivo de tecnologia por todos os lados, exceto (ou menos evidente) em áreas de maior impacto pro progresso humano.

Mas esse ano de crise parece diferente e estamos conseguindo transpor a barreira da estagnação presente na última década.

O próprio Tyler Cowen escreveu em seu blog sobre um possível fim da Grande Estagnação:

Próximo de 2011 quando a A Grande Estagnação começou, eu previ que provavelmente terminaria [em algum momento] nos próximos vinte anos. Ainda não chegamos lá, mas essa previsão já não parece tão absurda.

Vivemos em um mundo rodeado de problemas a serem resolvidos e isso geralmente move o progresso tecnológico. Quando abrimos mão da resolução desses problemas para lidar com uma crise emergente, tudo se torna exponencial e os problemas que antes estávamos focados em resolver começam a nos atacar, piorando assim os já ruins efeitos da crise.

Thomas Kuhn descreve as crises como um aspecto integral do progresso científico e tecnológico por conta da forma que, aliados aos problemas que já existiam, se tornam abrangentes e generalizadas ao ponto de que não conseguimos ignorar.

O tecno-ceticismo como força inovadora

Há um corrente não-oficial (e eventualmente tenho afinidade por ela) que propaga que a tecnologia é em parte dispensável na maioria dos contextos em que ela mais se desenvolveu na última década. Esse ceticismo tecnológico, longe de ser um ente anti-tecnológico, na verdade defende que os principais problemas da humanidade são bem mais complexos do que a mera necessidade de enviar um gif animado em alta velocidade para um amigo ou postar um vídeo de 15 segundos fazendo algo engraçado.

Paul Krugman demonstra bem esse sentimento quando escreveu que:

Por volta de 2005 se tornará muito claro que o impacto da internet na economia não será muito maior do que o [impacto] das máquinas de fax.

Nos últimos anos ficou muito claro que o foco da tecnologia foi o desenvolvimento de apps e serviços acessórios para a sociedade. O tecno-ceticismo defende que não precisamos de um sem número de fac-símiles do WhatsApp, Instagram, Uber ou YouTube. Precisamos, sim, de serviços corriqueiros, mas todo o esforço empenhado na busca e desenvolvimento de um novo serviço do tipo poderia estar sendo aplicado na criação de dispositivos de tele-transporte (tsc).

Sci-fi à parte, uma crise sanitária global sem precedentes mostrou que no geral não estamos preparados para lidar com os desafios da medicina ou como levar saúde para as pessoas. A telemedicina só agora está se tornando um tópico evidente, mas já tínhamos a tecnologia para viabilizar um tele atendimento há pelo menos 10 anos.

O retorno ao tecno-otimismo

O tecno-otimismo seria um olhar mais cuidadoso sobre o progresso científico que ainda conseguimos fazer, apesar da cada vez maior saturação de aplicativos de redes sociais e memes.

O primeiro exemplo é o desenvolvimento das vacinas de mRNA, até então pura especulação, de repente encontramos a chance (e a necessidade) de desenvolver e testar tudo o que havia sido estudado sobre o tema.

Então, numa coincidência inesperada de eventos, fizemos avanços substanciais no problema de dobramento de proteínas com o auxílio da tecnologia de Deepmind. Um progresso que implica na redução considerável da dor física.

Os exemplos começam a mostrar que a tecnologia é, apesar de muitas vezes incapaz de lidar com problemas subjetivos de cunho emocional, sócio-político ou afins, como nossa propensão à guerra, depressão ou as consequência de decisões tomadas pelos nossos ancestrais. Ainda que não possa acabar com o sofrimento humano, a tecnologia pode nos ajudar a transcender as dores e problemas inerentes à existência.

Acho que podemos aceitar essa limitação.

Apesar disso, os frutos provenientes do desenvolvimento científico e tecnológico ainda levam a um futuro drasticamente melhorado.

A expectativa de vida aumentou primariamente por causa de avanços tecnológicos

O otimismo tecnológico então é acreditar (e promover) que a tecnologia é talvez o principal aliado no desenvolvimento humano, mas deixar o ceticismo tecnológico incomodar quando dedicamos energia em excesso para desenvolver ferramentas sociais e criar conteúdo na internet e deixamos de lado que ainda existam pessoas sem acesso a tecnologias sanitárias na véspera da internet 5G.

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